<i>Sabe bem pagar tão pouco!</i>

Margarida Botelho

Já todos sabem que a Sociedade Francisco Martins dos Santos, SGPS, holding da família Soares dos Santos que controla directamente mais de 56% do capital social do Grupo de Distribuição Jerónimo Martins, transferiu a sua participação neste grupo para uma outra sociedade familiar com o mesmo nome, mas com sede na Holanda.

A indignação foi tão profunda que o capital se viu obrigado a montar um elaborado arsenal de contra-ataque: vieram primeiro os analistas do costume, dizendo que Soares dos Santos tem todo o direito de defender o que é seu; juntou-se o CDS, glosando o clássico 'quem está mal muda-se', defendendo que os clientes que não gostaram da atitude devem comprar noutra cadeia de distribuição; e até o soturno chefe da família concedeu ao povo a graça de se deixar entrevistar para repetir o que os analistas já tinham dito, cheio de arrogância e ameaças veladas.

Para o caso de haver ainda alguém por «esclarecer», o Pingo Doce imprimiu aos milhares um panfleto que continua a distribuir nas suas mais de 350 lojas, intitulado «Esclarecimento aos nossos clientes», onde, «em nome dos mais de 25 mil colaboradores que o Pingo Doce emprega em Portugal, e na sequência de muitas notícias e comentários (…) que contêm graves inverdades» acusa de «falso e /ou demagógico» «tudo o que ouvir ou ler em sentido contrário ao que aqui afirmamos».

Não é a primeira vez que uma cadeia de supermercados procura utilizar os seus próprios trabalhadores como tropa de choque: todos se lembram do abaixo-assinado pela abertura das grandes superfícies ao domingo recolhido nas caixas, ou dos comunicados distribuídos aos clientes criticando a convocação de greves por parte dos sindicatos. Mas é a primeira vez que isto é feito em nome dos tais «mais de 25 mil colaboradores», como se esses postos de trabalho fossem um favor que a Jerónimo Martins concede ao povo e ao País. Como se não fosse à custa da exploração desses 25 mil trabalhadores, do garrote imposto aos fornecedores nacionais e da ruína de milhares de comerciantes que a fortuna que agora se mudou para a Holanda é construída. Nunca como agora foi tão certeiro o slogan «sabe bem pagar tão pouco.» No sítio do costume.



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